sábado, 3 de maio de 2014

Por quê estudar história?

Vocês já pararam para pensar o porquê de estudarmos história? As respostas mais frequentes que eu ouço são: a história auxilia no desenvolvimento de cidadãos críticos e questionadores; ela proporciona a conscientização dos indivíduos; o estudo do passado permite entender o presente e transformá-lo; permite perceber como o mundo está diferente de antes.

A maioria dos estudantes reconhece a importância da disciplina, mas acha seu estudo muito chato e sem sentido: estudo de coisas velhas e sem relação com a sua vida.

Há aí uma contradição: como uma disciplina tão importante assim pode ser tão chata? Acredito que existam várias respostas para esta pergunta, mas eu tenho a impressão de que a história ensinada na escola e imposta pelos nossos currículos - na maioria das vezes - limita o lado vivo e dinâmico da disciplina e acaba por transforma-la numa história única e universal, distante da nossa realidade.

A minha intenção, assim como a de muitos professores que conheço, é fazer com que as aulas de história tenham sentido na vida de cada um de nós e, com isso, elas deixem de ser chatas e possam nos ajudar a sermos indivíduos e cidadãos mais conscientes do nosso SER NO MUNDO.  

No entanto, encarar esse desafio não é coisa fácil, e é preciso que encontremos uma maneira de fazer isso juntos. Por que juntos?

Primeiro, porque o conhecimento histórico não é pronto, acabado, dado. Ao contrário, ele está sempre em construção e, em sala de aula, precisamos entender que o professor não é aquela figura que sabe de toda a verdade e que vai encher o aluno de conhecimento. Não! É preciso trocar experiências e ideias para construirmos o saber histórico juntos. Até porque a história de cada um de nós também faz parte da história da humanidade.

Segundo, precisamos pensar qual a história que tradicionalmente nos é ensinada na escola. Afinal, que história é ESSA? Quem é que conta ESSA história? Por que estudamos ESSA história e não outras?

Para iniciar a reflexão, deixo uma sugestão: um vídeo curto (duração de menos de 20 minutos) de uma escritora nigeriana que conta um pouco de sua trajetória como contadora de histórias. 

O vídeo chama-se "O perigo de uma história única", da escritora Chimamanda Adichie.





Chimamanda Adichie fala da influência que tivera dos livros europeus (britânicos) e norte-americanos durante a infância, e de como esses eram suas únicas referências de histórias e de livros. 

Desse modo, mesmo sendo uma escritora nigeriana (país situado na África Ocidental e colonizado pelos ingleses),  as histórias que ela lia e escrevia, sempre tinham personagens bem diferentes das pessoas de seu país. 

Ela fala sobre como os seres humanos são impressionáveis e vulneráveis face a uma história - principalmente quando crianças. Chimamanda começou a perceber isso com a descoberta dos escritores africanos, pois com eles ela se deu conta de que as histórias escritas nos livros não tinham que ser necessariamente estrangeiras; ela percebeu que ela poderia se identificar nas histórias contadas pelos africanos e que ela existia na literatura. Ou seja: ela fala que os livros africanos a salvaram de ter uma história única sobre o que eram os livros.

Ao longo do vídeo, Chimamanda nos conta sobre sua trajetória e, de uma maneira bem interessante, abre caminhos para entendermos os mecanismos da constituição daquela história que eu falava lá em cima: da história ensinada na escola. Que história nos é contada sobre o nosso povo? Quem as conta e como as conta? Como nos vemos nessa história?

O Brasil é um país formado a partir da colonização portuguesa e da miscigenação entre índios, africanos e portugueses. Porém, a história que estudamos parece ter somente um referencial: o do europeu. Apesar de não sermos mais colônia de Portugal desde 1822, acho que ainda vivenciamos resquícios deste passado colonial.

Por exemplo: o ensino de história. Levando em consideração que o Brasil nasce da mistura entre as três raças (índio, negro e branco) e que os portugueses só conseguiram colonizar o território que hoje é o Brasil por meio do domínio, da violência e da escravização de índios nativos e de africanos, eu pergunto: O que sabemos das histórias e das culturas africanas e indígenas que também fazem parte da história do Brasil? Por que a história universal é sinônimo da história da europa? Por que não estudamos também a história da África, dos índios e de outros povos não-europeus? 

Assim como Chimamanda em relação aos livros, nós aqui temos apenas uma única referencia sobre o que é história ensinada em sala de aula, e essa referência também é estrangeira. Eu acredito que essa referencia estrangeira dificulta nos identificarmos nessa história, que de tão importante passa a ser chata e sem sentido. 

A autora questiona durante o vídeo: "Comece uma história com as flechas dos nativos americanos e não com a chegada dos britânicos [no caso brasileiro com a chegada dos portugueses] e você tem uma história totalmente diferente". Exemplo: quem já não ouviu falar na "descoberta" do Brasil? Descoberta ou invasão? Mude as palavras de um discurso e também teremos uma história completamente diferente.  
  
Chimamanda diz:
"Então, é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e é isso o que eles se tornarão". "É impossível falar sobre uma única história sem falar sobre PODER". 
"Como [as histórias] são contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do PODER".
"PODER é a habilidade de não só contar a história de uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa".

O poder colonial parece ainda ter efeito sobre nós brasileiros, bem como sobre os vários países periféricos que sofreram domínio colonial europeu. 

Como nós podemos existir na história se a história que nos contam é uma história estrangeira?

Expus aqui fragmentos de uma reflexão bem profunda que nem de longe se esgota nestas poucas palavras... 

Deixem suas colaborações!



Um comentário:

  1. Texto otimo Mari. Esclarecedor de uma dúvida tao pertinente para alunos e historiadores.

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